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História social e história cultural: teorias, métodos e temáticas

Os estudos de História Social na produção acadêmica nacional foram influenciados a partir da década de 1980, pelas pesquisas desenvolvidas pelo historiador inglês Edward Palmer Thompson. Ele, um especialista na formação da classe operária inglesa, renovou os estudos acerca dos grupos sociais subalternos ao romper com o marxismo ortodoxo, estruturalista e economicista, que compreendia os sujeitos vinculados a uma classe apenas por ocuparem um lugar social determinado na produção. O resultado das inovações deste historiador inglês resultou em uma abordagem marxista completamente nova, liberta das amarras do estruturalismo, que aprisionava a ação efetiva dos sujeitos na história. Edward Palmer Thompson enfatizou a experiência de classe como elemento central para se compreender a constituição das identidades e os sentimentos de pertença entre os grupos sociais. Em suas pesquisas procurou identificar os elementos do cotidiano dos operários, onde pudessem ser forjadas as solidariedades entres os sujeitos, fundadas fossem através de vizinhanças, parentescos, associações ou espaços de convívio comum.
 Marca da história social derivada dos estudos de Edward Palmer Thompson foi à centralidade da categoria do “agenciamento humano” na história. A perspectiva desta categoria é a de que os sujeitos determinam as ações e rumos da história. Sua compreensão implica em dizer que não devemos tomar os sujeitos históricos enquanto passivos ou vítimas, nem limitados a qualquer determinismo, mas, capazes negociações e resistências. Nesse sentido, as pesquisas conduzidas pelos historiadores sociais tomaram como ponto de partida os sujeitos e suas ações, considerando-as enquanto decisivas no desenrolar dos acontecimentos. Assim, defendeu que as mudanças sociais na história foram feitas pelos homens e as mulheres de carne e osso e propões o resgate das experiências dos de baixo, sugerindo fazer uma “história vista de baixo”, isto é, dos personagens subalternos, como trabalhadores, camponeses, operários e movimentos sociais. Em suma, colocando os sujeitos históricos rejeitados pela história oficial na condição de protagonistas.
Parte considerável dos trabalhos de história social no Brasil é herdeira da concepção de Edward Palmer Thompson. A partir da década de 1980 que sua obra foi traduzida no Brasil, os historiadores sociais brasileiros tributários do pensamento do historiador inglês desenvolveram trabalhos com temáticas e personagens como trabalhadores urbanos, camponeses, movimentos sociais, escravizados e indígenas. Nas suas pesquisas busca-se evidenciar a autonomia e a resistência destes personagens, colocando-os na condição de protagonistas.
Um dos modelos de História Cultural mais influente entre os historiadores brasileiros foi inspirado pelas formulações do historiador francês Roger Chartier. Ao fazer uma trajetória e avaliação das mudanças paradigmáticas do campo da História das últimas décadas do século XX, Roger Chartier afirmou que a nova história cultural surgiu a partir do esgotamento das vertentes antes praticadas: a história geral do pensamento, história das ideias, história intelectual e história das mentalidades. Como também da história quantitativa e serial, que analisava as fontes sob a ótica da estatística e enfatizava os aspectos sociais e econômicos.
A proposta da história cultural foi de explicar o mundo simbólico ou das produções de sentido construídas sobre o mundo pelos homens e mulheres do passado. Apesar de englobar dentro deste âmbito autores com compreensões diversas, o entendimento comum é que os esquemas simbólicos são fundamentais para a compreensão da vida social. Assim, o estudo da história deve ocorrer por meio das representações, das ideias, dos discursos.
A história cultural se tornou uma das vertentes mais abrangentes e debatidas nos últimos anos, sob o guarda-chuva dessa corrente, os objetos e as fontes utilizadas se multiplicaram, e o campo temático se expandiu. As temáticas estudadas são das mais diversas, a exemplo de sensibilidades urbanas, identidades, desejos, sentimentos, corpo, gênero, imaginário. Foi a partir da história cultural que também acompanhamos a entrada de novos personagens, como mulheres, estudantes, negros, minorias étnicas. 

Referências:
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