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A América ibérica e seus processos de independência

O processo de independência da condição colonial das Américas, consideradas em suas particularidades e os interesses internos das elites coloniais, deve ser entendido dentro de um contexto histórico, como parte da crise da sociedade do Antigo Regime, do qual o Antigo Sistema Colonial era parte. As metrópoles européias mantiveram-se ao longo do século XV ao XIX, através do pacto colonial e o autoritarismo das monarquias, o controle político e a exploração econômica dos territórios americanos em proveito das metrópoles européias, configurando o Antigo Sistema Colonial.
A partir do século XVIII a sociedade do Antigo Regime na Europa manifestava sua crise. O pensamento iluminista, emergente no contexto, criticava o absolutismo monárquico, o direito divino dos reis, a sociedade hierarquizada e baseada nos privilégios de nascimento. Nas Américas (inglesa, espanhola e portuguesa) as ideias iluministas, cultivada entre as elites coloniais, serviram de base política para a crítica e questionamento do sistema colonial.
No século XVIII as metrópoles ibéricas implantaram medidas que visavam aumentar o controle sobre as colônias na América. Na América hispânica, as reformas bourbônicas, estabeleceram ações políticas e administrativas de centralização do poder da metrópole nas colônias, de modernização do sistema fiscal e implantação de força militar permanente e efetiva. As medidas significavam o reforço dos vínculos coloniais, recrudescendo o controle político e comercial sobre as colônias. Por outro lado, crescia entre os colonos o descontentamento do domínio colonial.
A independência das 13 colônias inglesas na América do Norte (1776), influenciada pelas ideias iluministas, levou a superação da condição colonial e surgimento da uma nova nação, os Estados Unidos da América. A independência das 13 colônias inglesas demarcou, por sua vez, uma ruptura no sistema colonial e funcionou como exemplo para os demais territórios coloniais da América. A Revolução francesa (1889) materializava o fim do absolutismo monárquico, implantava a forma de governo republicana e consagrava os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade.
 As ideias dos pensadores iluministas e liberais, os eventos da independência das 13 colônias inglesas (1776) e da Revolução francesa (1889) reverberaram nas Américas (hispânica e portuguesa). No final do século XVIII ocorreram revoltas anticoloniais, como a Conjuração Mineira (1889) e a Conjuração Baiana (1898), na América portuguesa; os movimentos anticoloniais, apesar do caráter local das pretensões, das diferenças e particularidades de participantes e objetivos, expressavam em comum, elementos novos, isto é, a vontade do fim do domínio colonial português e a criação de um governo republicano.
No início do século XIX Napoleão Bonaparte promoveu a ocupação da Espanha e de Portugal (1808). Neste contexto de ocupação francesa na Espanha ocorreram na América hispânica os primeiros processos de independência, sucedendo então a emancipação da Argentina, da Venezuela, do Equador e do Chile (1810-1815). A segunda etapa dos movimentos de independência ocorreu nos anos seguintes (1816-1828), acontecendo, por sua vez, à independência da Bolívia, do México, do Peru e da América Central.
Entretanto, não devemos apenas considerar os aspectos externos, os interesses dos grupos sociais abastados nas colônias entravam em conflito com os colonizadores europeus. Na América hispânica, as elites criollas (filhos de espanhóis nascidos na América) desejavam o fim do monopólio comercial, da cobrança de impostos pela metrópole, da proibição de produção de manufaturas e das restrições impostas para a ocupação de altos cargos da administração colonial. Assim, passaram a lutar pelo fim da relação mercantil colonial e pela autonomia política.
Contudo, a independência promoveu apenas a suplantação da relação colonial. As estruturas sociais da situação colonial, baseada no domínio dos latifundiários (produtores de monoculturas agrícolas para exportação), donos de minas e grandes comerciantes urbanos foram mantidas. Embora outros os grupos sociais e étnicos (indígenas, africanos, descendentes de africanos), pobres e trabalhadores tivessem lutado nas guerras de independência e tivesse suas expectativas de liberdade, com a construção do Estado-Nação não houve alterações na ordem social, e continuaram na condição de explorados como mão de obra e excluídos sociais e políticos.
O processo de independência da América portuguesa teve como fator importante no desenrolar as guerras napoleônicas na Europa e transferência da Corte portuguesa para o Brasil. Em 1808, diante da hesitação do príncipe regente Dom João VI, em aderir a medida do Bloqueio Continental que proibia os países europeus de comercializar com a Inglaterra, Napoleão Bonaparte começou a ocupação de Portugal. Sem condições de resistir dos franceses, Dom João VI, resolveu deixar as terras lusitanas e transferir a família real e sua Corte para a sua maior colônia, o Brasil.
Na colônia, ocorreram uma série de mudanças em decorrência da transferência da Corte. A favor da Inglaterra, que tinha interesses em estabelecer relações comerciais com o Brasil, Dom João VI decretou o fim do monopólio comercial e garantiu a liberdade de comércio para a Colônia. A medida significava uma ruptura do pacto colonial. Em 1815, o Brasil fora elevado a condição de vice-reino, sendo considerado então como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Em Portugal em 1820 eclodiu a Revolta Liberal do Porto, movimento de caráter liberal, liderado por grupos de burgueses e de classe média, conquistaram o poder no país. O movimento da Revolta Liberal do Porto reivindicava a elaboração de uma constituição que limita-se os poderes do rei e exigia o retorno do monarca para Portugal. Neste contexto, formou-se em Portugal o governo temporário das Cortes, com a participação de representantes das províncias do reino do Brasil e de Portugal. A proposta dos representantes portugueses era de recolonizar o Brasil, restabelecendo a condição anterior as mudanças implantadas por Dom João VI. A burguesia lusitana era contra a liberdade econômica da colônia. Entre as medidas adotadas pelos representantes portugueses nas províncias do Brasil abarcavam o aumento de impostos, nomeação de autoridades, envio de tropas e exigia a volta do rei Dom João VI.
 Os debates em torno da tentativa de recolonização levaram os representantes brasileiros a lutar pela independência do Brasil. Contudo, as divergências entre as elites coloniais (grandes proprietários de terras, ricos comerciantes, classe média urbana) levaram a construção de diferentes projetos de independência. De um lado, identificava-se o projeto do grupo dos grandes proprietários rurais, que defendia uma proposta mais moderada de independência, com a manutenção da monarquia, do latifúndio e da escravidão. Para os fazendeiros era necessário conservar a ordem social evitando a participação popular no processo de ruptura, manter o latifúndio e a escravidão. De outro, um grupo do meio urbano, constituído de profissionais liberais e comerciantes, tinham o pensamento alinhado com ideias iluministas e liberais, alguns defendiam a construção de um estado republicano, outros o modelo da monarquia constitucional inglesa.
Sendo assim, o grupo dos fazendeiros passou articular a independência com o príncipe português Dom Pedro, que havia ficado no Brasil. Os fazendeiros e escravocratas capitanearam o processo de independência a fim de manter seus interesses, isto é, conservar a escravidão, a grande propriedade agrária e a produção agrícola para a exportação. Em síntese, a independência política dirigida pelos grandes latifundiários e escravocratas não apresentou transformações profundas no cenário econômico e social brasileiro.
Os processos de independência da América espanhola e portuguesa apresentaram aspectos semelhantes e diferenças. Quando os aspectos em comum entre os processos independência destacam-se que a direção das mudanças políticas capitaneadas pelas antigas elites coloniais, na América espanhola os criollos e na América portuguesa os grandes proprietários rurais. Ambos os grupos sociais lutaram para evitar que a independência significa-se transformações substanciais nas suas respectivas sociedades e por impedir a participação de grupos sociais que partilhavam de uma concepção de independência identificada com a sua emancipação social, como indígenas, pobres e escravizados.
Dentre as diferenças dos respectivos processos de independência, identifica-se que na maioria dos antigos territórios coloniais espanhóis criaram-se regimes republicanos, enquanto na América portuguesa manteve-se o regime monárquico, liderado por um membro da família portuguesa. Outro aspecto que contrapôs ambos os processos de independência diz respeito à fragmentação política do território. Nos ex-territórios espanhóis as lutas pela independência provocaram o surgimento de diversos estados. No Brasil, o projeto de independência levado a cabo pelos fazendeiros e Dom Pedro conseguiu-se sustentar a unidade do território.

Referências:
POMER, León. As independências na América Latina. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981.
PRADO, Maria Lígia. A formação das nações latino-americanas. São Paulo. Atual Editora, 1991.

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